Prezados Co-listeiros,
Como todos aqui manifestaram-se contrários ao bloqueio, venho eu manifestar-me favorável à decisão Judicial. Esclareço, desde já, que não trata-se de apoiar o pleito da modelo Cicarelli e de seu namorado, mas de respeito às instituições jurídicas nacionais e de preservação do direito constitucional à privacidade que cada cidadão dispõe.
Mister é verificar o histórico do caso movido pelo casal e das decisões judiciais. O bloqueio ao site YouTube não veio de uma decisão inicial autoritária, mas é uma conseqüência do desrespeito da Google Inc. e subsidiárias, incluindo a YouTube, para com as Instituições Jurídicas nacionais (lembrem-se da briga no caso Orkut para a liberação das informações dos usuários em casos de racismo, pedofilia, tráfico de entorpecentes etc.).
A empresa foi, inicialmente, multada diariamente em valor considerável e incitada a retirar dos seus servidores quaisquer vídeos do fato ocorrido. Entretanto, em flagrante descaso para com a justiça brasileira, não somente não pagou a multa estipulada, como fez pouco caso da decisão e não retirou os vídeos, conforme determinado.
Então, o namorado da referida modelo entrou com novo pedido para que o site retirasse os vídeos. O desembargador, temendo pelo desrespeito às instituições nacionais, decidiu por determinar o bloqueio através da rede nacional dos vídeos referentes à Cicarelli. Obviamente que, por dificuldades técnicas diversas, os administradores dos backbones que fazem a conexão internacional decidiram por bloquear todo o site. Manipulação das empresas? Ineficiência da consultoria técnica prestada ao desembargador? Bom, sobre isso, não me cabe opinar.
Todavia, cabe-me alertar que estamos entrando num caminho sem volta de exposição das nossas privacidades a um mundo sem regras de acesso à essas informações. Vejo, em verdade, um caminho perigoso em que não teremos mais controle sobre aquilo que nos pertence, nossa identidade, personalidade natural, que será exposta em um grande campo sem barreiras, onde qualquer um pode acessá-la, modificá-la, replicá-la e dela fazer mal uso. Talvez, o pedido da modelo Cicarelli seja ridículo por um lado, por pedir privacidade sobre algo pelo qual ela não privou ao cometer ato sexual em praia público; mas, por um outro ângulo, é um alerta de como nós estamos perdendo controle sobre nossa imagem, nossos direitos assegurados de privacidade, para uma pretensa e falsa democracia digital, na qual é feito lucro sobre nossas imagens e personalidades.
Quem daqui gostaria, por exemplo, de ter uma cena íntima, dentro do seu quarto, filmada por uma câmera indiscreta em outro prédio, e que essa fosse publicada no YouTube? Ou que suas fotos com a família fossem satirizadas e publicadas em um blog? Talvez alguns sádicos gostariam, mas acredito que a individualidade e a privacidade do ser humano falem mais alto pela maioria que rejeitaria esse tipo de conduta.
Pode parecer nostalgia, mas relembremos a Grécia Antiga, o berço da democracia. Demos=clãs, povo e cracia=governo. Governo dos clãs, do povo dos clãs, é a tradução deste termo tão banalizado hoje. Na antiga Grécia, havia uma divisão entre esfera pública e esfera privada. De uma forma sintética, o grande desejo de todos os gregos era o de ter uma vida ativa e plena na esfera pública, participando das decisões na pólis e honrando a sacralidade da democracia na cidade. Não obstante, mesmo que o homem tivesse a vida mais ativa dentro da esfera pública, considerada como a segunda vida do homem, ele preservava elementarmente a esfera privada, da qual não participavam os outros moradores da pólis. A privacidade da esfera privada (por redundante que seja) era extremamente respeitada, não imiscuindo-se opinião pública ou interferência da cidade-Estado.
Obviamente que o modelo grego tinha as suas deficiências, por conter atos que hoje consideramos barbárie, impedindo a interferência do Estado nos assuntos privados, permitindo determinados atos humanos hoje condenáveis pelas Instituições Jurídicas. Por outro lado, o modelo grego nos lega uma lição valiosa: não importa o quão penetrante e imponente seja o modelo democrático, o Estado e os outros cidadãos devem respeitar a esfera privada, da individualidade, de cada 'eu'.
Então, é após todo esse ensaio, que digo ser favorável à decisão judicial. Pode parecer um modo de censura, obviamente, por ter sido feito de forma inadequada e ineficiente. Entretanto, a defesa xiita dessa pretensa democracia digital sem froteiras e sem controle põe em risco a nossa individualidade, o respeito a nossa privacidade e, por conseguinte, a garantia a outros direitos decorrentes. Não temos privacidade em nossos e-mails, invadidos por spams todos os dias, em nossos telefones, invadidos pelo telemarketing, pelas nossas contas bancárias, nas quais são vendidos serviços de modo violante. É preciso que prezemos pela nossa privacidade antes que seja tarde e toda a nossa vida esteja exposta, sem retorno.
Concluo, por fim, que, extraindo-se a profundidade da questão, em outra camada manifesto o meu favor à decisão judicial para que empresas como o Google Inc. e outras preservem a privacidade dos seus usuários e daqueles que não querem o ser. Em sua sanha por controlar e organizar toda a informação do mundo, não vê barreiras nem limites nas privacidades e direitos individuais, limitando a capacidade de ação dos órgãos judiciais dos Estados nacionais. Lembro as palavras de nobres pensadores iluministas, como Kant, Rousseau e Voltaire: só há liberdade quando estamos sob as Leis da Razão. Não há liberdade sem leis que a proteja e a resguarde. O Google, ao não respeitar as Leis e os departamentos Judiciais das nações, impõe a ditadura do controle da personalidade, da privacidade. Enfim, daquilo que lhe é mais próprio como ser humano.
Abraços,
Lauro.