Caso as novas tecnologias que estão despontando, como chips "seguros" (para os desenvolvedores de software comercial), venham a dar certo e se desenvolvam, juntamente com os novos mecanismos de autenticação da Microsoft, é possível que fique bem mais difícil piratear programas de computador.
Até pouco tempo atrás utilizar softwares piratas não causava realmente nenhum prejuízo para o usuário final; mas atualmente já é uma complicação atualizar softwares piratas, fazendo com que tais versões não registradas sejam consideravelmente mais propensas a bugs, falhas de segurança, além de não possuírem funcionalidades que são acrescentadas mais tarde aos programas.
Se um dia a pirataria se tornar realmente uma opção não viável, por conta de softwares que não podem ser atualizados ou que tenham suas funcionalidades demasiadamente restritas, como irá ficar o cenário do software nos países em desenvolvimento?
Essa pergunta é bastante relevante e pode vir a gerar, nos próximos anos, um impacto considerável na configuração global do mercado de software.
Ao adquirir um computador com toda a configuração de software comercial básica, legalizada, o consumidor precisaria desembolsar hoje em dia, no mínimo: R$ 498,89* (impostos não estão incluídos nesse valor). Esse valor é referente ao Windows XP Home Edition OEM e ao Office 2003 SBE (versão básica destinada à estudantes).
Enquanto as empresas que não tem um nome de destaque no mercado montam e vende um grande número de computadores no Brasil, os consumidores brasileiros não sentem o impacto desse valor ao realizar a compra, pois tais computadores normalmente vem com versões pirateadas e mais completas do software básico: Windows XP Professional e Office 2003 Professional.
O impacto seria se mesmo estas empresas, que fornecem os computadores para aqueles consumidores que não tem condições de comprar com as grandes marcas, viessem a cobrar pelo software instalado. O consumidor iria perceber que está pagando mais e recebendo um software com bem menos funcionalidade.
Neste caso o que poderia acontecer?
Os usuários finais se tornariam bem menos produtivos, não tendo mais acesso a versões completas dos programas ou teriam de partir para o universo do software livre.
Imagino que se a pirataria fosse mesmo extinta, os maiores beneficiários seriam os usuários finais e os desenvolvedores de software livre. Os usuários finais seriam beneficiados por passarem a utilizar programas gratuitos, dentro da legalidade e com uma qualidade cada vez maior; a comunidade dos desenvolvedores de software livre iria crescer consideravelmente, sendo capaz de criar e aperfeiçoar os programas em menos tempo.
E os desenvolvedores de software comercial? Bom, aqueles usuários que não se sentissem aptos a mudar para o software livre (difícil imaginar alguém assim, dadas as atuais facilidades para fazer a mudança) seguiriam utilizando software comercial, pagando por tal software porém produzindo menos por utilizar versões mais restritas. E versões cada vez mais restritas dos softwares seriam criadas, como a versão absurda do Windows que foi desenvolvida para o mercado da Índia, onde só é possível rodar dois programas por vez, esse tipo de coisa.
E as vendas iriam cair, com certeza, pois por mais absurdo que pareça, a pirataria impulsiona a venda de software comercial. Uma vez que a pessoa tem o sistema instalado, é quase inevitável adquirir um ou outro software nessa ou naquela ocasião, de maneira legal. Com menos pessoas utilizando o software comercial, por não serem mais capazes de piratear e por necessitarem de recursos não oferecidos por tais sistemas, estas pessoas também deixariam de adquirir outros softwares comerciais, partindo para versões completamente livres.
Imagine o caso dos estudantes de universidades. Caso um estudante de física ou matemática fosse obrigado a pagar R$ 214,00* (impostos não incluídos) por uma licença do Matlab ou aprender a utilizar o SciLab, qual seria a opção mais lógica? Ou um estudante de publicidade, que fosse obrigado a escolher entre adquirir uma versão do Corel X3 por R$ 258,08* ou utilizar o Inkscape gratuitamente? Sem contar que, ao longo do curso seria necessário adquirir as atualizações para tais produtos. Não acredito que muitos estudantes estivessem dispostos a equipar seus computadores gastando mais de R$ 700,00* reais apenas para não terem que aprender a utilizar um programa open source.
Acho que essas observações acima são relevantes e demonstram por que o combate a pirataria as vezes parece ser muito frouxo e o motivo pelo qual está aumentando apenas gradualmente em passos de tartaruga.
As medidas mais duras de combate à pirataria só são tomadas após testes de mercado com opções mais limitadas e baratas dos softwares comerciais. Se há aceitação de um produto mais limitado e do preço, então é implementada uma nova medida, tornando mais difícil a utilização não autorizada da versão completa do software.
Essa lógica de pensamento evidencia o maior contraste entre as duas filosofias de software: enquanto o software livre visa disseminar o conhecimento, se aperfeiçoar e crescer junto com o seu usuário, o software comercial visa apenas vender, não importando se para isso é necessário privar o usuário de ser mais produtivo ou de utilizar um produto de qualidade superior.
* Os preços utilizados neste post referem-se às versões mais básicas e limitadas dos softwares citados, onde possível versões OEM. A fonte de tais preços são os sites de grandes marcas de computadores e o eBay, sendo que foi utilizado o preço em dólar, convertido para o real segundo o câmbio do dia. Não estão, portanto, incluídos os impostos praticados no Brasil sobre tais produtos. Logo, é de se esperar que o valor real a ser pago pelos consumidores seja consideravelmente maior.